Caminho de Jacinto
Percurso realizado em 16 de Junho de 2007
“ (…) No meu Príncipe já evidentemente nascera uma curiosidade pela sua rude casa ancestral. Mirava o relógio, impaciente. Ainda trinta minutos! Depois, sorvendo o ar e a luz, murmurava, no primeiro encanto de iniciado:
- Que doçura, que paz…”
Foi na agradável estação de Tormes, sobranceira ao rio Douro, que nos reunimos para o início do percurso.
Encenando um breve trecho da obra de Eça de Queirós A Cidade e as Serras, que referia a chegada do Jacinto e do Zé Fernandes àquela estação, o grupo criava assim o contexto para o percurso que nos levaria à Quinta da Vila Nova.
Sob um céu carregado de nuvens cinzentas, iniciámos a subida da serra pintada dos mais variados tons de verde. “Com que brilho e inspiração copiosa a compusera o Divino Artista que faz as serras, e que tanto as cuidou, e tão ricamente as dotou, neste seu Portugal bem - amado! A grandeza igualava a graça.”
O chilrear de pássaros por vezes misturado com o cantar dum galo, e o ruído de regatos de límpida frescura acompanhava-nos pelo frondoso caminho que, em alguns trechos, exigia um fôlego extra.
Impôs-se uma breve paragem junto ao Solar do Lodeiro onde se evocou o drama de José Augusto, homem rico e culto, e de Fanny Owen, uma mulher de origem inglesa.
Foi com base nos factos deste drama que Agustina Bessa - Luís escreveu o romance Fanny Owen, destinado a servir de guião ao filme “Francisca” de Manoel de Oliveira.
Prosseguimos a subida, por vezes íngreme, em direcção à Quinta da Vila Nova, detendo-nos por vezes para a leitura, na voz da companheira Laura Pires, de mais um trecho da obra que servia de guião ao nosso percurso.
E como as frases escritas se adaptavam ao tempo presente! ...“Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! (…) serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras!”
Chegados à Quinta, seguiu-se uma visita guiada à casa que foi herdada pela mulher de Eça de Queirós, Emília de Castro Pamplona, aquando da morte da mãe. Percorremos as várias divisões, admirando o vasto espólio pessoal deixado pelo escritor.
Na cozinha, a companheira Laura relatou-nos mais uma passagem do livro, desafiando os presentes a um cerrar de olhos para melhor sentirem a descrição do autor … “Ao fundo a cozinha, imensa, era uma massa de formas negras, madeira negra, pedra negra, densas negruras de felugem secular.”
No caminho de regresso à estação de Tormes, era obrigatória a visita ao cemitério de Santa Cruz onde estão depositados os restos mortais do grande escritor.
Debaixo duma chuva intensa, detivemo-nos por momentos junto à campa em cuja laje se lê “Aqui descansa entre os seus José Maria Eça de Queiros”.
Seguimos depois para o restaurante onde iríamos prosseguir o enredo Queirosiano. Num ambiente alegre e descontraído, saudou-se cada componente da ementa com a correspondente descrição do autor no romance que serviu de guião a mais um acontecimento em boa hora organizado pelo Grupo Portuense de Montanhismo.
“Que beleza!”
Texto: Manuel Augusto
Fotos: Jorge Ribeiro
ESTA FOI A NOSSA EMENTA QUEIROSIANA
Baseada na obra: “A Cidade e as Serras”
Presuntos, Salpicão, Queijos, Geleia e Ameixas secas
“Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geleia e caixas de ameixas secas”
Caldo de Galinha com Fígado e Moela
“ Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço
cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com
uma terrina a fumegar. “Desconfiado (Jacinto), provou o caldo que era de galinha e rescendia. Provou — e levantou para mim, seu camarada de miséria, uns olhos que brilhavam, surpreendidos [...]. E sorriu, com espanto: - Está bom!" Estava precioso: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.“
Arroz de Favas com Frango Alourado
“E já espreitava à porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o soalho – e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. (…) Jacinto, em Paris, sempre abominara favas! ... Tentou todavia uma garfada tímida — e de novo aqueles seus olhos, que pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: - óptimo!... Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!”
“Diante do louro frango assado no espeto e da salada que ele apetecera na horta, agora temperada com um azeite de serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: - é divino!.”
Creme Queimado
“À mesa onde os pudins, as travessas de doce [...]. - Como gostar! Mas é que delira! ... Pudera! Tanto tempo em Paris, privado dos pitéus lusitanos...”
Café
“…e reclamava impacientemente o café, um café de Moca, mandado cada mês por um feitor de Dedjah, fervido à turca, muito espesso que ele remexia com um pau de canela”
Vinho de Tormes
“…caindo de alto, da bojuda infusa verde – um vinho fresco, esperto, seivoso, e entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo.
Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de otimismo na face, citou Virgílio: - Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável desta serras?”
A Cidade e as Serras e o Caminho de Jacinto
Estação de Tormes
" e ambos em pé, às janelas,esperamos com alvoroço a pequenina estação de Tormes, termo ditoso das nossas provações."
Caminho de Jacinto
"Para os vales, poderosamente cavados,desciam bandos de arvoredos,tão copados e redondos,de um verde tão moço,que eram como um musgo macio onde apetecia rolar."
Caminho de Jacinto
" Através dos muros seculares,que sustêm as terras liados pelas heras,rompiam grossas raízes coleantes a que mais hera se enroscava.Em todo o torrão, de cada fenda, brotavam flores silvestres."
Ig. de Santa Cruz
"Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais, braquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espalhava alegria e força."
Quinta de Tormes
"Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho.Por trás das sebes, carregadas de amoras,as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes,porque as não tinham maduras."
Casa de Tormes
" Assim, vagarosamente e maravilhados, chegámos àquela avenida de faias, que sempre me encantara pela sua fidalga gravidade."
Entrada e Capela da Casa de Tormes
"E quando Jacinto, na sua suada égua, e eu atrás, no burro de Sancho, transpusemos o limiar solarengo.."
Um site a visitar: http://www.literatura.pro.br/acidadeeasserras.htm