quinta-feira, maio 24, 2007

Caminho de Jacinto

Caminho de Jacinto

Percurso realizado em 16 de Junho de 2007

“ (…) No meu Príncipe já evidentemente nascera uma curiosidade pela sua rude casa ancestral. Mirava o relógio, impaciente. Ainda trinta minutos! Depois, sorvendo o ar e a luz, murmurava, no primeiro encanto de iniciado:
- Que doçura, que paz…”


Foi na agradável estação de Tormes, sobranceira ao rio Douro, que nos reunimos para o início do percurso.


Encenando um breve trecho da obra de Eça de Queirós A Cidade e as Serras, que referia a chegada do Jacinto e do Zé Fernandes àquela estação, o grupo criava assim o contexto para o percurso que nos levaria à Quinta da Vila Nova.

Sob um céu carregado de nuvens cinzentas, iniciámos a subida da serra pintada dos mais variados tons de verde. “Com que brilho e inspiração copiosa a compusera o Divino Artista que faz as serras, e que tanto as cuidou, e tão ricamente as dotou, neste seu Portugal bem - amado! A grandeza igualava a graça.”


O chilrear de pássaros por vezes misturado com o cantar dum galo, e o ruído de regatos de límpida frescura acompanhava-nos pelo frondoso caminho que, em alguns trechos, exigia um fôlego extra.



Impôs-se uma breve paragem junto ao Solar do Lodeiro onde se evocou o drama de José Augusto, homem rico e culto, e de Fanny Owen, uma mulher de origem inglesa.


Foi com base nos factos deste drama que Agustina Bessa - Luís escreveu o romance Fanny Owen, destinado a servir de guião ao filme “Francisca” de Manoel de Oliveira.


Prosseguimos a subida, por vezes íngreme, em direcção à Quinta da Vila Nova, detendo-nos por vezes para a leitura, na voz da companheira Laura Pires, de mais um trecho da obra que servia de guião ao nosso percurso.


E como as frases escritas se adaptavam ao tempo presente! ...“Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! (…) serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras!”


Chegados à Quinta, seguiu-se uma visita guiada à casa que foi herdada pela mulher de Eça de Queirós, Emília de Castro Pamplona, aquando da morte da mãe. Percorremos as várias divisões, admirando o vasto espólio pessoal deixado pelo escritor.


Na cozinha, a companheira Laura relatou-nos mais uma passagem do livro, desafiando os presentes a um cerrar de olhos para melhor sentirem a descrição do autor … “Ao fundo a cozinha, imensa, era uma massa de formas negras, madeira negra, pedra negra, densas negruras de felugem secular.”



No caminho de regresso à estação de Tormes, era obrigatória a visita ao cemitério de Santa Cruz onde estão depositados os restos mortais do grande escritor.


Debaixo duma chuva intensa, detivemo-nos por momentos junto à campa em cuja laje se lê “Aqui descansa entre os seus José Maria Eça de Queiros”.

Seguimos depois para o restaurante onde iríamos prosseguir o enredo Queirosiano. Num ambiente alegre e descontraído, saudou-se cada componente da ementa com a correspondente descrição do autor no romance que serviu de guião a mais um acontecimento em boa hora organizado pelo Grupo Portuense de Montanhismo.
“Que beleza!”

Texto: Manuel Augusto
Fotos: Jorge Ribeiro



ESTA FOI A NOSSA EMENTA QUEIROSIANA

Baseada na obra: “A Cidade e as Serras”


Presuntos, Salpicão, Queijos, Geleia e Ameixas secas

“Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geleia e caixas de ameixas secas”


Caldo de Galinha com Fígado e Moela

“ Uma formidável moça, de enormes peitos que lhe tremiam dentro das ramagens do lenço
cruzado, ainda suada e esbraseada do calor da lareira, entrou esmagando o soalho, com
uma terrina a fumegar. “Desconfiado (Jacinto), provou o caldo que era de galinha e rescendia. Provou — e levantou para mim, seu camarada de miséria, uns olhos que brilhavam, surpreendidos [...]. E sorriu, com espanto: - Está bom!" Estava precioso: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia: três vezes, fervorosamente, ataquei aquele caldo.“

Arroz de Favas com Frango Alourado

“E já espreitava à porta, esperando a portadora dos pitéus, a rija moça de peitos trementes que enfim surgiu, mais esbraseada, abalando o soalho – e pousou sobre a mesa uma travessa a transbordar de arroz com favas. (…) Jacinto, em Paris, sempre abominara favas! ... Tentou todavia uma garfada tímida — e de novo aqueles seus olhos, que pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado: - óptimo!... Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!”

“Diante do louro frango assado no espeto e da salada que ele apetecera na horta, agora temperada com um azeite de serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: - é divino!.”


Creme Queimado

“À mesa onde os pudins, as travessas de doce [...]. - Como gostar! Mas é que delira! ... Pudera! Tanto tempo em Paris, privado dos pitéus lusitanos...”

Café

“…e reclamava impacientemente o café, um café de Moca, mandado cada mês por um feitor de Dedjah, fervido à turca, muito espesso que ele remexia com um pau de canela”


Vinho de Tormes

“…caindo de alto, da bojuda infusa verde – um vinho fresco, esperto, seivoso, e entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo.
Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de otimismo na face, citou Virgílio: - Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável desta serras?”


A Cidade e as Serras e o Caminho de Jacinto

Estação de Tormes

" e ambos em pé, às janelas,esperamos com alvoroço a pequenina estação de Tormes, termo ditoso das nossas provações."

Caminho de Jacinto

"Para os vales, poderosamente cavados,desciam bandos de arvoredos,tão copados e redondos,de um verde tão moço,que eram como um musgo macio onde apetecia rolar."

Caminho de Jacinto

" Através dos muros seculares,que sustêm as terras liados pelas heras,rompiam grossas raízes coleantes a que mais hera se enroscava.Em todo o torrão, de cada fenda, brotavam flores silvestres."

Ig. de Santa Cruz

"Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais, braquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espalhava alegria e força."

Quinta de Tormes

"Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho.Por trás das sebes, carregadas de amoras,as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes,porque as não tinham maduras."

Casa de Tormes

" Assim, vagarosamente e maravilhados, chegámos àquela avenida de faias, que sempre me encantara pela sua fidalga gravidade."

Entrada e Capela da Casa de Tormes

"E quando Jacinto, na sua suada égua, e eu atrás, no burro de Sancho, transpusemos o limiar solarengo.."

Um site a visitar: http://www.literatura.pro.br/acidadeeasserras.htm

13 Comments:

At 09:29:00, Anonymous Anónimo said...

Muito boa ideia, o ter posto um link para se obter informação sobre "A Cidade e as Serras", de onde deriva o passeio "O Caminho de Jacinto".

 
At 22:18:00, Anonymous Anónimo said...

Olá !
Adorei o seu Blog !
Força, é muito bom encontrar entusiastas dos bons passeios, o cheiro da paisagem. É uma boa forma de harmonia com a Natureza que nos rodeia.
Em vez de ficar-mos em casa a ver por exemplo as ( porcarias ) que a TV passa ao fim de semana, um alegre passeio na companhia de amigos é um bom fortificante para uma semana de trabalho.

Parabéns

João Eduardo
(Caldas da Rainha)
http://campofertil.blogspot.com/

 
At 11:36:00, Anonymous Anónimo said...

Li a apresentação da próxima actividade«o Caminho de Jacinto»
Achei uma interessante apresentação, em que os excertos da superior prosa queirosiana é acompanhada de apelativas imagens. Apenas uma pequena observação.
Não localizei a data do evento.
Envio os meus parabéns pelo conjunto do trabalho que o GPM, tem vindo a desenvolver.
Lafayette

 
At 16:40:00, Anonymous Anónimo said...

Queria felicitar publicamente o GPM por esta actividade fantástica, e pela organização sem reparo: caminhada, participantes e jantar divinal. Inesquecível a sineta do Pimentinha.
Aguardo a próxima actividade!
Abraço

 
At 18:21:00, Anonymous Anónimo said...

Uma vez mais está de parabéns o resultado do trabalho cultural do GPM ao realizar esta excursão, que materializa um dos mais célebres romances de Eça de Queiroz.
A aliança concretizada entre o desporto caminheiro e a cultura beneficia o corpo e o espírito , pelo que só elogios merece o GPM. De igual modo dirijo as minhas felicitações ao cronista que tão bem descreveu o passeio e ao repórter fotográfico pela boa selecção e qualidade das imagens.

Felicitações do tripeiro desterrado no Sul

Mário Ribeiro

 
At 15:30:00, Anonymous Mª Amélia Guimarães said...

Também já fiz esse "Caminho" e comungo do entusiasmo geral! A paisagem envolvente é simplesmente linda, relaxante, com cheiros únicos, capazes de nos inebriar os sentidos. Se lá passar no Outono, pode levar castanhas (do chão), medronhos (da estrada) e até uvas (que ficaram esquecidas nas videiras que caem dos muros)!!!Recomendo vivamente! Parabéns pela iniciativa!
Mª Amélia Guimarães
(Porto)

 
At 22:48:00, Blogger Unknown said...

QUE OSMOSE TÃO PERFEITA ENTRE A NARRATIVA QUEIROSIANA E O PERCURSO REVISITADO...

ENQUANTO LIA ESTES EXCERTOS VOEI PARA ESSES RECANTOS ROMÂNTICOS E DEGUSTEI OLFACTICAMENTE O CHEIRO DESSES ENCHIDOS,DA FUMEGANTE LAREIRA E DAS PEDRAS QUE SÃO O EX-LIBRIS DA ANTIGA ARQUITECTURA. RECUEI AOS TEMPOS DOS MEUS AVÓS...QUE SAUDADES.... PARABÉNS E OBRIGADA PELA NOBREZA DA VOSSA OFERTA. CONTINUEM O VOSSO PROJECTO E ENVIEM-ME SEMPRE... SE FOSSE EM LISBOA IA CONVOSCO.

 
At 15:49:00, Blogger Duarte Machado said...

Achei espectacular a sua ideia em concreto com ajuda das novas tecnologias para saborear a grande riqueza da escrita de Eça de Queirós.
Os meus parabéns.

 
At 23:05:00, Anonymous Luis Reis said...

Bom, foi um fim-de-ano de 2010 espectacular, organizado por dois grandes amigos, com casa para os lados de Porto Antigo!
Claro, bem organizado e bem recheado da melhores iguarias da região ... Só faltou o arroz de favas! Mas não faltou, um passeio, meio montanhismo, desde a estação de Aregos até S. Torpes e à Fundação Eça de Queirós ... que bela "prova de esforço" ... sempre com gente local amiga pelo caminho!
Daqui a quinze dias lá estaremos no nosso Douro!
Luis Reis

 
At 01:06:00, Anonymous Anónimo said...

Bom, belo e enternecedor, tal como o Eça desejaria. Ele merece. Parabéns a quem fez este blogue.
Joaquim

 
At 02:57:00, Anonymous Anónimo said...

Que maravilha, nunca tinha visto esta reportagem sobre algo que conheço tão bem.
Muitos parabéns, está muito bonito e bem sinalizado.
É uma pena aquele solarzinho estar em tão mau estado...
Cumprimentos

António Eça de Queiroz

 
At 09:38:00, Blogger Unknown said...

Gostei muito de ver o Caminho de Jacinto. Se permitirem vou fazer um link para o blog da Biblioteca.
Obrigada. Isaura Carvalho

 
At 00:18:00, Anonymous Paula Sotto-Mayor said...

Caro Jorge, parabéns !
Pelo que li, e vi nas suas fotos, já me abriu o "apetite" para preparar, com a necessária leitura de "A Cidade e as Serras", o evento que o Grupo Terra Verde irá organizar este ano.
Até uma próxima.

 

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