quinta-feira, maio 24, 2007

Via Romana XVIII


VIAS AUGUSTAS

VIA ROMANA XVIII


O Grupo Portuense de Montanhismo (GPM) organizou mais um percurso emblemático, desta vez por Terras de Bouro, através da Via Romana XVIII, também conhecida por Geira. O percurso foi dividido em duas partes, que tiveram lugar nos dias 8 e 9 de Julho de 2006 A concentração, no primeiro dia, teve lugar junto ao museu de Vilarinho das Furnas, Campo do Gerês, de onde partimos em autocarro gentilmente cedido pela Autarquia com destino a Portela de Santa Cruz, freguesia de Souto, local de inicio do percurso. Nesta primeira etapa, o objectivo era percorrer o trajecto entre a MILHA XIV e a MILHA XXVII. Convém esclarecer que a milha romana equivale a 1000 passos, o que corresponde a 1480/1580 metros.




Miliários milha XIV


A via XVIII, Via Nova ou Geira, é a via romana melhor preservada em Portugal e - caso único no mundo - conta com 250 miliários ao logo do seu percurso desde Bracara Augusta (Braga) até Asturica Augusta (Astorga/Espanha). É considerada desde Maio de 2003 Património Nacional e em 2006 poderá ser apresentada a candidatura portuguesa e espanhola para classificação da Geira Romana como Património da Humanidade às Comissões Nacionais da UNESCO de Portugal e Espanha (“Diário do Minho”, 14/04/2004).



Após preparadas as mochilas e aquecidos os músculos das pernas, iniciámos a caminhada transportando o nosso imaginário a um tempo em que os meios de transporte e o ritmo de vida eram diferentes. Percorridas cerca de duas centenas de metros deparamos com a MILHA XIV, assinalada por alguns miliários, a qual foi descoberta em 1981 durante as obras de alargamento da estrada. Neste local foram tiradas as inevitáveis fotografias de grupo e desde logo nomeada a incansável companheira Beatriz como a tradutora das explicações do organizador, para o “grupo alemão “.


Penedo dos Teixugos

Mais à frente, já com a aldeia de Chorense à vista, e com uma paisagem deslumbrante a merecer uma calma contemplação, passamos pela MILHA XVI, num lugar chamado Penedo dos Teixugos, freguesia de S.João da Balança. O miliário que assinala esta milha é de Décio (Gaius Messius Quintus Trajanus Decius – 201-251), notando-se perfeitamente a inscrição no granito, e data de 251 (sec.III) . Ao lado do miliário, encontra-se um bloco de granito com marcas da feitura destes imponentes marcos, umas cavidades onde eram introduzidas cunhas de madeira, que eram regadas com água. Deste modo a madeira inchava e partia a pedra!

Estes marcos assinalavam o número de milhas que o local dista da cidade de origem da via (no caso da Via Nova Bracara Augusta).Era também gravado em cada miliário o nome do imperador reinante, que mandou construir a estrada ou recuperá-la. Conforme foi referido pelo nosso historiador de serviço, a altura dos miliários permitia que as informações neles inscritas pudessem ser lidas a pé ou a cavalo sem necessidade de abrandar a marcha.
Chegados a S.Sebastião da Geira o grupo efectuou uma paragem para descansar e reconfortar o estômago, já que a boa disposição essa permanecia em alta. Neste local existe uma pequena capela erigida em 1687, dedicada a S.Sebastião.



Miliários millha XVII


da, deixamos a sombra dos numerosos castanheiros que caracterizou as duas milhas anteriores e, pouco depois alcançámos a MILHA XVII, na freguesia de Chorense, num local denominado Ribeiro de Cabaninhas. A assinalar esta milha, um miliário de Décio, um de Caracala (Marcus Aurelius Antoninus – 186-217), e outro de Heliogábalo (Varivs Avitvs Bassianvs Marcvs Avrelivs Antoninvs –203-222, dada a difícil pronúncia do seu nome, ao ser declarado imperador usou o mesmo nome de Caracala, Marcus Aurelius Antoninus). Num dos marcos tivemos oportunidade de constatar que a base dos mesmos é quadrada com pequenos sulcos rasgados na pedra, para melhor aderência ao terreno onde são colocados.





A partir deste local, a preciosa sombra dá lugar ao céu aberto, e o calor começou a tornar-se de certo modo nosso adversário. No entanto, o facto de nos encontrarmos a percorrer um traçado histórico que constitui um excepcional museu ao ar livre, um património de invulgar valor, dá-nos ânimo para suportar as adversidades e permite-nos deixar a imaginação fluir para um passado longínquo.



Milha XX


O traçado da Via Nova foi cuidadosamente planeado por arquitectos, engenheiros e pelos gromatici, os topógrafos que, apesar dos utensílios rudimentares, já calculavam as distâncias e os declives com incrível exactidão. É impressionante notar, e nós tivemos o privilégio de o fazer, que a Via Nova foi construída de tal modo que, apesar de cruzar um espaço montanhoso com serras elevadas, os desníveis são pouco acentuados!





Tal como nós agora, em pleno sec.XXI, também outrora estes caminhos foram percorridos por militares, mensageiros, funcionários e uma imensidade de caminhantes que, pelos mais variados motivos, percorriam as estradas, o Cursus Publicos, tão essencial ao eficaz governo do vasto Império Romano. Ao longo desta imensa rede viária, existiam as mansiones (locais de descanso, onde os viajantes podiam comer, dormir, tomar banho e abastecer-se para prosseguir a viagem), as mutationes (estações de muda, onde se podia trocar de cavalo).



Local da Mutatio na milha XXX

Regressando ao presente alguns companheiros a acusarem os efeitos do sol tórrido e do cansaço, continuamos a percorrer milha após milha este traçado cheio de história, contemplando a majestosa paisagem do vale do Rio Homem.
Passada a MILHA XXIII, cerca das 16 horas, já o cansaço potenciado pelo calor da tarde forçou alguns companheiros a dar por finda a sua participação na caminhada. Nada que não tivesse sido previsto pela impecável organização: uma viatura de apoio fora deixada no local em que o percurso da Geira atravessava a estrada nacional, o que tornou possível o transporte dos menos resistentes até ao fim do percurso.
Os mais resistentes, entre os quais o “grupo alemão”, continuaram o percurso da Geira a caminho da MILHA XXIV. Tivemos que passar uma “quebrada” obrigando-nos a uma “montagem de segurança” para ultrapassar o desabamento da via o que provocou alguma adrenalina adicional.




Milha XXIV

Chegados à milha XXIV deparamos com o miliário cuja inscrição refere o governador C. Calpetanus Rantius Quirinalis Valerius Festus, no ano 80 d.C. a propósito da construção e manutenção da VIA NOVA. Mais à frente, no lugar de Sá – Covide a milha XXV com um miliário invertido servindo de fuste a um cruzeiro. Atravessamos parte da aldeia por caminho alternativo reencontrando a via romana mais adiante já muito perto da MILHA XXVI na Geirinha.
O último desafio seria o de percorrer a distância até à MILHA XXVII, cujo miliário sinaliza o limite das freguesias de Covide e de S. João do Campo e que era o objectivo final da nossa marcha. .




Percorremos 13 milhas romanas (cerca de 22 Kms), todos os participantes ficaram impressionados com a beleza paisagística que se desfruta ao caminhar por esta via histórica, autêntico museu ao ar livre.


Texto: Manuel Augusto
Fotos: Jorge Ribeiro