Caminhos do Paraíso
De Parada a Pitões das Júnias pelos “Caminhos do Paraíso”
19 de Maio de 2007

Neste velho país com quase 9 séculos de história, ainda é possível encontrar locais, onde os benefícios do progresso se têm mantido afastados, permitindo eternizar espaços de grande valor ecológico e paisagístico. Aqueles que os conhecem, ou os mais aventureiros, têm desta forma a felicidade, de desfrutar momentos que dificilmente se apagam da memória. Referimo-nos ao centenário bosque mediterrânico de formação espontânea – denominado carvalhal do Beredo – conhecido pelo menos a partir do século XVI. O antigo caminho, entre as aldeias barrosãs de Parada de Outeiro e Pitões da Júnias, atravessa-o, permitindo uma bela caminhada.
Com as senhoras em maioria, partimos, já com a manhã adulta. S. Pedro, percebeu as nossas intenções, proporcionando-nos um belo dia primaveril, onde o silêncio da aldeia, foi momentaneamente interrompido pela ansiedade e natural entusiasmo do grupo. Percorre-se o interior do aglomerado rural em passo lento, tentando perceber as dificuldades criadas pela perda dos lameiros, devido à albufeira de Paradela. Ao mesmo tempo, ajustamo-nos ao caminho, pisando terra até ao fojo do lobo de Parada, na portela da Fairra. À medida que se progride, trocam-se os primeiros entendimentos, mas a partir da portela, o caminho de malha mais apertada, vai moldá-lo num grupo coeso, alegre e comunicativo.
Depois de explicado o essencial sobre este tipo de armadilhas de caça, rompe-se caminho para o velho carvalhal. Aos poucos, quase sem darmos por isso, uma bela e densa mata de carvalho negral, protege a nossa passagem. O vale, apertado pelas rudes encostas do Gerês, faz com que as copas se entrelacem, imitando figuras curiosas, que a nossa imaginação vai criando.
É mesmo possível imaginar os duendes da floresta a esconderem-se à nossa passagem. Os tons esverdeados do bosque, e o seu isolamento, lembram paraísos que merecem uma exploração mais demorada. Sem descortinar a razão, o grupo caminha em silêncio interiorizando a beleza do momento. Tudo é belo e estranho, desde o rumor dos rápidos do ribeiro do Beredo aos cânticos dos habitantes do bosque, mostrando insatisfação, pela partilha deste éden da natureza. Ocasionalmente, as copas formam pequenas clareiras, e a capelinha de S. João da Fraga transforma-se num pequenino ponto branco, aparecendo Pitões na linha do horizonte.
Após atravessarmos uma pequena linha de água, que se forma no Alto do Cavalhão, o caminho transforma-se num pequeno trilho, exigindo muita atenção para não nos enganarmos. O destino é a ponte, que permite a travessia do ribeiro do Campesinho, famoso pela cascata. Faz-se uma pequena pausa, após cerca de 5 km de marcha, pois em breve, temos de enfrentar uma dura subida.
Foi com alívio que atingimos a cota dos 1000 metros, palmilhando agora um antigo caminho que os monges certamente utilizaram, para se dirigirem ao mosteiro. É esta a melhor forma de obtermos uma visão mais abrangente do cenóbio, apanhando-o por sul.
Enquanto se caminha, são visíveis os contrastes desta terra barrosã, apertada entre as serranias agrestes do Gerês e os contornos suaves do planalto da Mourela. Impotentes, observamos o que dele resta.
O seu considerável património, construído entre os séculos XI e XVI, continua à espera que o recuperem, sem que se vislumbre qualquer esforço nesse sentido. Aproveitamos o recolhimento do lugar para almoçar e descansar um pouco, embalados pela melodia das águas do Campesinho. Junto ao que resta do antigo claustro, tiramos a foto do grupo, formalidade testemunhada pelo relógio de sol, encastrado há séculos no despido campanário.
Com pesar, fomos abandonando o afloramento granítico do mosteiro, entretido com as suas diaclases, e continuamos em direcção à aldeia, fazendo uma visita à casa do Preto. Depois de abastecidos, a tarefa seguinte é descobrir o caminho, que permite o regresso pelo trilho da margem direita do Beredo. Enchem-se os cantis na fonte do Taralhal e partimos à descoberta.
São cerca de 3 km, por um belo caminho, cheio de sombras, ziguezagueando pela encosta abaixo, e que em tempos mais recuados terminaria certamente nas poldras, que insatisfeitas pelo abandono a que foram votadas, se recusam a dar passagem.
Um pequeno atalho, leva-nos a uma estreita ponte. Na outra margem, espera-nos um caminho de pé posto, que corre paralelo ao ribeiro. Numa extensão de cerca de 1,5 km, vamos percorrer o coração do bosque, acompanhando o remurmurejar das águas, protegidos pela sombra dos carvalhos.
Recuperamos a nossa marcha silenciosa, ao saboreamos a natureza no seu estado puro, com o espírito absorvido e repousado no imenso bosque, ao mesmo tempo, felizes por termos descoberto o verdadeiro caminho do paraíso. O trilho desemboca noutra ponte, facilitando de novo, a travessia.
Ao ultrapassamos o cabeço do Canda, avistam-se os contornos suaves da serra da Cabreira, onde uma plantação de “alvíssimas heólicas” floresce, na cumeada. Regressa-se a Parada, pelo caminho dos lameiros que acompanha a albufeira, terminando a nossa jornada de 19 km, com uma visita mais demorada ao núcleo rural.
No final, ainda houve tempo, para votar uma proposta, no sentido dos “deuses da floresta” continuarem a manter exclusividade da defesa e protecção do carvalhal do Beredo, até ao próximo milénio. Aprovada por unanimidade, foi elaborada a respectiva acta. Na falta do selo branco, o documento foi autenticado, pelo polegar de um dos caminheiros, tornando o acto oficial e entrando desta forma para os anais da história.
Texto: Fernando Fontinha
Fotos: Jorge Ribeiro
4 Comments:
Parece que vou estrear com o primeiro de muitos comentários... melhor do que as fotos e o texto só fazer o percurso. Tinha uma ideia de que este seria magnífico e a descrição não desiludiu, mas a minha barriguinha já não me permite. Há uma margarida à espera de conhecer este mundo maravilhoso, que mais tarde se irá juntar a estas caminhadas fenomenais- fica prometido um bis, OK?
Olá
Infelizmente não puder ir a esta caminhada ...
E já percebi que perdi algo muito belo
Não se esqueças de me enviar o email para a ir proxima caminhada
Foi um privilégio participar neste percurso. A beleza da paisagem, o deslumbrante carvalhal, o magnífico mosteiro...tudo se conjuga para o considerar um dos mais belos em que participei.
Excelente trabalho: fotogáfico e literário. Resta-me a pena de não o ter partilhado convosco, ainda mais porque as minhas raizes estão por ai - Outeiro.
Parabéns por aquilo que permitem vivenciar e pela vossa coragem e disponibilidade para com todos os caminheiros que aderem às vossas iniciativas.
Um abraço
Graça Duarte
Amarante
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